Ética é o conjunto de valores, ou padrões, a partir dos quais uma pessoa entende o que seja certo ou errado e toma decisões.
A ética é importante por que respeita os outros e a dignidade humana.
Quinta-feira, 11 de Fevereiro de 2010
Projeto de lei busca proibir peles em Israel
Israel pode tornar-se o primeiro país no mundo sem peles de animais, com exceção prevista apenas para o ‘shtreimel’ (foto), que é um tipo de chapéu de pele usado pela comunidade religiosa hareidi. Um projeto de lei aprovado no último domingo pelo Comitê Ministerial da Lei expande a lei atual e proíbe a importação, exportação, produção e comercialização de peles. O projeto foi proposto por Ronit Tirosh, membro do partido Kadima Knesset.
A lei atual cobre apenas peles de cães e gatos, mas o ministro da agricultura Shalom Simchon apoiou a inclusão de todo tipo de pele. Se o projeto for aprovado, Israel será o primeiro país do mundo a adotar uma proibição de peles quase total. Pele de bovinos (couro) não é incluída no projeto, assim como lã de carneiros e pelo de camelo e caprinos.
Simchon, um ministro do partido Labor, disse que a lei é necessária porque a indústria de peles é cruel com os animais, cujas peles muitas vezes são arrancadas enquanto eles ainda estão vivos.
Quinta-feira, 7 de Janeiro de 2010
Abolicionismo: vanguarda utópica ou futurista?
Jean Pierre Verdaguer
Desde que as primeiras civilizações vicejaram sobre a Terra, indivíduos, grupos, povos e até etnias inteiras são vítimas de agressões violentas, humilhações, explorações e escravizações. Pérsia, Grécia, Índia, China... Mesmo as aparentemente iluminadas civilizações antigas mantiveram, em algum momento, regimes escravocratas, divisão por castas e outros tipos de exploração sistemática de seres humanos. Até tribos indígenas rudimentares do Brasil pré-descobrimento tinham o costume de raptar e escravizar membros de tribos rivais, o que denota que o hábito sequer se restringe às chamadas grandes civilizações.
Na época das grandes navegações e da expansão do mundo conhecido, a economia mundial era praticamente movida sobre as sangrentas rodas e engrenagens de regimes autoritários, monárquicos e escravocratas. Com o tempo – e o advento do capitalismo primitivo –, esses regimes entraram em declínio e, conseqüentemente, para evitar o colapso total do sistema, se viram obrigados a mudar as regras do jogo. Começaram, um a um, a abolir (ou seria abdicar?) o uso de trabalho escravo, entre outras medidas.
Embora muitos pensem que essas atitudes libertárias tenham sido desencadeadas pelos novos paradigmas iluministas e positivistas, ou por grandes levantes liderados por idealistas abolicionistas que forjaram, na marra, a libertação maciça de escravos, a nada romântica realidade é que os senhores de escravos vislumbraram promissoras vantagens econômicas em se desfazer daqueles trabalhadores – cuja subsistência dependia totalmente dos “donos” –, e substituí-los por outros bem mais baratos: assalariados, que davam o sangue com muito mais boa vontade e a custos muito menores.
Apesar disso, quase 150 anos depois da abolição, o Brasil continua sendo palco de notícias sobre trabalhadores encontrados em regime de escravidão ou semi-escravidão, nas barbas do poder público e às vistas da mídia onipresente, à taxa média, juram as estatísticas, de 25 mil novos escravos por ano!
No mundo todo, estima-se que existam 40 milhões de trabalhadores escravizados, 8 milhões de crianças tratadas como mercadoria e de 4 a 5 milhões de mulheres em situação de servidão sexual.
Também se fala em cerca de meio bilhão de pessoas maltratadas e impiedosamente exploradas em campos de mineração, estivas portuárias, latifúndios em áreas remotas, indústrias pesadas e etc, recebendo remunerações tão espantosamente baixas que chegam a soar improváveis quando trazidas à luz de reflexões sociológicas.
Sem contar a infinidade de mulheres acintosamente humilhadas – muitas das quais mutiladas! –, obrigadas a se submeter a tradições e leis machistas, preponderantes no oriente médio, na áfrica e em tantos outros lugares.
Os casos de violência doméstica, no mundo, contra crianças, mulheres, deficientes e idosos, são tão numerosos que carecem de estatísticas confiáveis. Podem beirar dois bilhões de ocorrências diárias!
O ser humano – assim parece –, por definição, explora. Pai explora filho, marido explora esposa, neto explora avô, irmão explora irmão, patrão explora funcionário, fortes exploram fracos, poucos exploram muitos, corporações exploram milhares, igrejas exploram milhões, tiranias e etnias exploram bilhões...
Daí o monumental obstáculo que emperra a eficiência do movimento pelo abolicionismo animal: agindo junto a uma sociedade de humanos que histórica, diária, sistemática e inevitavelmente exploram impiedosamente uns aos outros, torna-se humanamente impossível lhes inocular a noção de que não é razoável abusar dos outros animais.
Em outras palavras, como sugerir o uso do senso ético a uma sociedade que sequer veio com esse software instalado?
Assim sendo, como, em sã consciência, pode um ativista do direito animal pregar o abolicionismo total e irrestrito e não se abalar diante dos pálidos resultados dessa luta inglória? O desafio, hercúleo, é tamanho que se torna quase uma missão mítica, utópica, profética... Tende a virar questão de fé e acaba assumindo ares de religião, com direito inclusive a seus dogmas, tabus e estigmas.
Um dos maiores problemas que a dogmatização do abolicionismo acarreta, para a própria causa que defende, é a pressão contrária que muitos de seus adeptos freqüentemente exercem sobre uma corrente diversa de defesa dos direitos animais, que chamam – em geral, pejorativamente – de bem-estarismo. Para o pensamento abolicionista mais ortodoxo, o bem-estarismo traria prejuízos incalculáveis à “verdadeira” causa do direito animal, por lutar “apenas” por melhorias nas condições de criação, tratamento e abate dos bichos. “Ora”, afirma-se com fervor, “se o mundo todo adotar o bem-estarismo como meta, logo os animais estarão sendo tão ‘bem-tratados’ que será inútil qualquer iniciativa para tentar livrá-los definitivamente da sina da exploração comercial humana”.
O que tal pensamento não considera – ou reluta em admitir – é que, embora todas as premissas e justificativas do abolicionismo integral sejam coerentes do ponto de vista ético, a sociedade humana simplesmente ainda não se mostra pronta para aplicá-las na prática.
O abolicionismo é, por assim dizer, uma corrente de pensamento de ultra-vanguarda, muito à frente do seu tempo, apesar de já existir há mais de um século. É, porém, um movimento necessário e se faz premente que haja associações de pessoas dispostas a levá-lo adiante. Mas essas pessoas não deveriam perder de vista a perspectiva de que somente mudanças gerais e profundas nos paradigmas de funcionamento da sociedade moderna é que levarão ao cabo os últimos (primeiros?) objetivos abolicionistas. E que essas mudanças ainda podem levar muito tempo, em vista do atual padrão de consumo global e da ideologia vigente.
Suas ações podem e deverão ser fundamentais na aceleração do processo de mudança desses paradigmas, mas será muito mais crucial a influência do fator que sempre pesou sobre a humanidade: a conveniência econômica. Assim como os regimes escravocratas deram lugar ao regime assalariado por motivos econômicos, a exploração de animais só terá fim quando se provar inviável economicamente. E isso, não graças a fatores muito animadores, deverá obrigatoriamente acontecer dentro de mais algumas décadas.
Por sinal, eis a brecha por onde entram em ação as principais armas das correntes abolicionistas mais “produtivas” hoje: as frentes de libertação animal que visam à deterioração da indústria exploratória, como a ALF, impondo dificuldades ao funcionamento do sistema e causando prejuízos tanto materiais como morais às empresas e instituições que se aproveitam de animais. Essas organizações, em geral clandestinas ou “extra-oficiais”, têm logrado, a seu modo, conquistas importantes para a causa abolicionista. Além da liberação efetiva de muitos animais, conquistam exposição na mídia para o conjunto de pensamentos em favor da defesa dos direitos dos animais, levando o debate ao alcance de uma opinião pública historicamente privada de tais informações.
No âmbito das iniciativas menos agressivas e mais políticas do ativismo abolicionista, alguns avanços se fazem possíveis, mas também são confrontados com fatores de ordem econômica. As chances de sucesso de ações jurídicas, manifestações populares, campanhas informativas e pressões políticas contra as atividades de um circo, por exemplo, são bem maiores do que contra um festival de rodeio. Isso porque ações abolicionistas diretas surtem tanto mais efeitos positivos, quanto menos interesses econômicos e políticos estiverem em jogo. Como, de resto, tudo o mais na sociedade moderna.
Essa lógica nos obriga a constatar que as indústrias alimentícia e de pesquisa científica, que envolvem lobbies particularmente poderosos e cifras virtualmente inimagináveis, estão praticamente fora do alcance do ativismo abolicionista. Na atual conjuntura global, quase nada pode ser feito no sentido de obtenção de moratórias de exploração animal por esses setores. Podemos dizer que o mesmo ocorre, em menor escala, com a indústria da moda, que é alvo freqüente de ações e manifestações e, ainda assim, absorve facilmente os prejuízos causados e mantém o negócio de couro e peles funcionando a todo vapor.
Bem, se admitirmos que a sociedade moderna de consumo não está (ainda) pronta para absorver integralmente os ideais abolicionistas e que, por mais que o ativismo se incremente e avance na direção de dificultar as coisas para as indústrias exploratórias, ainda levará décadas até que seja factível aplicar na prática esses mesmos ideais com eficiência, não faz nenhum sentido se opor tão radicalmente ao chamado bem-estarismo animal. Não, ao menos, do ponto de vista da geração de animais que está sofrendo agora: hoje, no mundo todo, são cruelmente abatidos mais de 2 mil animais por segundo! E todos mortos depois de terem vivido sob as condições mais miseráveis que se possa imaginar.
Inevitavelmente, essas décadas, que podem ser cinco, seis ou mais, transcorrerão paralelamente ao sofrimento de trilhões de animais, que não terão outra alternativa senão a melhoria de suas condições de vida e abate, até que a revolução abolicionista se torne viável. Eis um paradoxo desconcertante e ardilosamente difícil de equacionar: a oposição ferrenha ao bem-estarismo não tem nos orientado rumo ao abolicionismo e ainda leva à divisão, em facções, um contingente de ativistas que, unidos, teriam muito mais influência e poder de fogo para acelerar o processo rumo ao abolicionismo integral.
É curioso notar que ambas correntes ideológicas criticam-se amiúde e mutuamente, mesmo quando é evidente que suas causas favorecem os mesmos sujeitos (os animais explorados) e seus objetivos são perfeitamente compatíveis (diminuição do sofrimento, de um lado e, do outro, fim da exploração).
Não se trata de sugerir que abolicionistas abram mão da legitimidade de seus ideais, nem de pedir para aderirem ao bem-estarismo. Mas, antes, de convidá-los a encarar as duas modalidades de defesa dos direitos dos animais como estratégias complementares, cada uma a seu tempo, com seu ritmo e em seu contexto. Trata-se, por fim, de dar vazão à razão concomitante a paixão, equilibrando-as numa receita que lhes permita enxergar, no que chamam de bem-estarismo, a solução para uma demanda imediata de bilhões de animais que, no curto prazo, não serão libertados em nenhuma hipótese, mas que têm chance real da conquista de condições de vida menos desfavoráveis. E de focalizar os esforços estritamente abolicionistas nas ações que visem à futura e definitiva eliminação, a médio e longo prazo, dos monstruosos “estoques vivos” mantidos pela indústria exploratória.
Para terminar, uma proposta de exercício imaginativo em que não há respostas, apenas perguntas.
Se houvesse tecnologia para entender o pensamento animal, e se com ela pudéssemos escutar o que diz um porco em sua baia minúscula, muito provavelmente ouviríamos “por favor, irmão, eu lhe imploro, trate de convencer os humanos de que não está certo o que fazem conosco”, numa súplica que nos indicaria claramente o caminho do abolicionismo.
Sendo honestos com o porco, teríamos que responder, “estamos fazendo todo o possível, mas os humanos não são fáceis de lidar, são séculos de hábitos arraigados para transcender. Continuaremos lutando pela abolição com todas nossas energias. Mas, por hora, o máximo que podemos fazer é aumentar o tamanho de seu cativeiro, melhorar suas condições de vida e amenizar os horrores da sua morte”.
Como será que ele reagiria? “Muito obrigado por seus esforços, todo alívio é bem-vindo! E tomara que consiga nos libertar no futuro”. Ou “muito obrigado, mas se não pode libertar a mim e aos meus, migalhas bem-estaristas jamais aceitaremos”.
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Terça-feira, 22 de Dezembro de 2009
Projetos de proteção animal
Dois dos assuntos do Estúdio 36 de hoje eram relacionados à proteção animal.
Conversei sobre a programação dos 30 anos do Tamar, um projeto de conservação marinha que é hoje referência mundial. A banda catarinense Dazaranha foi convidada para gravar uma música sobre o tema. Lenine, Margareth Menezes e Luiz Caldas participam do CD.
Aqui em Florianópolis a sede do Tamar, a única no sul do país, é aberta diariamente à visitação. Mais informações no www.tamar.org.br ou no
http://www.tamar30anos.com.br/.
O outro assunto, o livro Eternos Abarés, editado pela Associação Abaré de Proteção Animal. São contos e crônicas assinadas por donos de animais, todos os textos com histórias reais para despertar o sentimento de respeito. Encomendas do livro podem ser feitas pelo e-mail contato@abare.org.br e mais informações, em www.abare.org.br. A verba arrecadada com a venda do livro vai ser revertida para serviços da associação.
Fonte
Terça-feira, 1 de Dezembro de 2009
Direitos animais: O enfoque abolicionista.
Atualmente, o abolicionismo reclama a necessidade de uma clara definição de seu conceito para entender a importância que possui em relação à concessão de direitos aos animais. Tento aqui prevenir um possível uso maléfico, através de versões extensivas ou ambíguas, preservando o conceito para não desgastar o termo.
O abolicionismo nega a condição de propriedade dos animais não-humanos. Encara um ponto de partida diferente daquele habitualmente considerado para a defesa dos animais, possibilitando um novo e eficaz marco teórico para a análise da realidade. Graças a ele, podemos começar a formular novas perguntas, ao invés de continuar insistindo na ineficiente procura por mais respostas para as mesmas perguntas de sempre, abordando assim novas perspectivas. Julgam-no “extremista”. Na realidade, isso é só aparência. Verdadeiramente extremista é o grau de opressão e utilização a que sujeitamos os animais não-humanos, apropriando-nos das suas vidas de maneiras espantosas e incontáveis.
Na teoria dos direitos animais do professor Gary L. Francione, o termo “abolicionismo” é conceituado pelo autor quando se refere às medidas legais cabíveis no sentido de suprimir a condição de propriedade dos não-humanos. Estas medidas, consideradas dentro do objetivo abolicionista – e opostas, portanto, à reforma bem-estarista, que considera seguir utilizando os animais como recursos – são chamadas de “proibições”, para que não ocorra confusão com o objetivo final a longo prazo, qual seja, a abolição da propriedade de animais não-humanos[1]. Os critérios que Francione indica para considerar estas proibições como parte da mudança final no sentido da abolição são colocados para dar início, e não para finalizar a abordagem deste assunto. O indiscutível é a diferença entre estas e a reforma bem-estarista, útil para quem defende a postura filosófica do bem-estar animal, que são aqueles que, em definitivo, a formularam e a fomentam desde organizações ad hoc – como, por exemplo, os Colégios de Veterinários, organizações bem-estaristas, projetistas de abatedouros ao estilo Temple Grandin, indústrias exploradoras ou entidades protecionistas - que “só se dedicam aos animais sem lar”. Desta maneira, o abolicionismo refuta as campanhas e os projetos legislativos bem-estaristas de qualquer natureza, sem importar quem os sustente, porque só procuram uma mudança no trato aos animais não-humanos, sem questionar a utilização em si dos mesmos. A reforma, introduzindo supostas melhoras, vai no sentido inverso ao do projeto abolicionista, porque serve aos interesses de propriedade dos exploradores e é por isso que para estes elas são aceitáveis. Estas reformas não são feitas com o fim de ajudar aos animais não-humanos a saírem paulatinamente do controle daqueles que os exploram, bem como sequer evitam formas de exploração maiores e mais sofisticadas.
Nesse sentido o abolicionismo é semelhante, por exemplo, ao movimento contra a escravidão à qual institucionalmente estiveram submetidos os povos de ascendência africana. Os mesmos foram considerados propriedade dos senhores brancos, sendo comercializados principalmente com o objetivo de servir de mão-de-obra e serventes aos seus amos conquistadores e exploradores do Novo Mundo. Eric Williams considera que a origem da escravidão negra foi econômica e não racial: teria se originado na necessidade de baixo custo da mão-de-obra e não na cor do trabalhador, sendo o racismo uma racionalização posterior para justificar a opressão de outros seres humanos [2]. Desta forma, o “complexo de superioridade” que cultivou o racismo, baseado nas características biológicas e hereditárias assinaladas como símbolos de inferioridade – e não de diferenciação - do grupo dominado, sustentou e perpetuou o sistema, inclusive depois da abolição. Assim, a violência se mostra endêmica ao controle da posse de animais que têm o impulso de escapar, revelando que a escravidão é algo mais que um problema econômico. O racismo e o especismo transitam em patamares similares. É que as coisas não são coisas: são sempre coisas “de alguém”. E nesta sociedade, esse “alguém” pode possuir estas “coisas” tanto para levá-las a dar um passeio pelo parque quanto para convertê-las em um rentável escravo [3].
A ideologia do bem-estar animal, que orienta e explica a regulamentação das atividades que exploram os não-humanos como recursos, se projeta operativamente na aplicação das leis vigentes. Porém com o nascer de cada dia, continuam havendo vítimas e carrascos nos abatedouros, produtos e consumidores nos negócios, livres e escravos nas crenças. O ser sensível “protegido” - na terminologia da normativa bem-estarista - segue sendo matéria prima para produzir presunto, queijo ou corpos de experimentação. Segue degradado aos limites da jaula e do matadouro. O agir humano, conforme estas leis, não resultou em mudanças consideráveis no nível de desprezo pela vida não-humana. O público consome os animais com a convicção de que há organizações que lutam no combate à extinção e pelo tratamento digno, e colabora com sua assinatura quando perguntado se estes animais importam.
Em 1996, Francione escrevia o que iria repetir em janeiro de 2007 numa entrevista para o VeganFreak [4]: Neste momento da história da relação entre os humanos e os demais animais, os ativistas não deveriam usar seus recursos para tratar de conseguir mudanças legislativas pró-abolição, isto porque esta medidas inovadoras teriam que reunir critérios muito difíceis de alcançar. São eles [5]:
1.Deve constituir uma proibição.
2.A atividade proibida deve ser parte integrante de uma instituição exploradora, constituindo uma atividade da mesma.
3.A proibição deve reconhecer e respeitar o interesse não-institucional do animal. Isto é, um interesse real de indivíduo e não o do seu proprietário para explorá-lo.
4.Os interesses dos animais não podem ser negociados. Isto significa que devem prevalecer mesmo que isto não implique em benefícios para os humanos.
5.A proibição não deve dar espaço a formas alternativas, supostamente mais “humanas”, de criação dos animais. É o caso típico de permitir a criação extensiva de animais – em vez de intensiva - na indústria de utilização de animais e de produtos alimentares de origem animal.
Não só estes critérios são difíceis de se reunir como também são difíceis de se exigir numa campanha, estando tão enraizada a idéia da propriedade de seres sencientes não-humanos. Francione considera necessário que toda energia disponível seja dirigida no sentido de semear uma mudança de paradigma centrada na negação do uso e da exploração dos animais não-humanos, para construir um movimento social e político que possibilite alcançar estas proibições rumo à abolição da escravidão. Isto conduziria à adoção do veganismo como aplicação do abolicionismo na vida diária.
Necessitamos perceber os profundos laços que existem entre a exploração animal, a economia e a sociedade em si mesma, num momento de absoluta crise ambiental cujas principais causas se situam na idéia do domínio sobre a natureza e na separação entre o humano e o resto da animalidade não-humana numa tentativa de justificar esta opressão. Uma mudança de atitude das pessoas gerará uma mudança significativa na condição em que hoje padecem milhões de não-humanos. Neste sentido, o veganismo é uma atitude de respeito a toda vida animal não-humana senciente, que implica num modo de vida onde se evitam voluntariamente o uso, consumo e/ou participação em atividades derivadas desta escravidão, exploração e morte. Não é um fim em si mesmo, senão a lógica conseqüência de um olhar não-instrumental sobre os não-humanos, que os reveste com um valor inerente.
O movimento pelos direitos animais teve início há pouco tempo. O abolicionismo questiona a servidão e propõe na prática uma transformação real na nossa relação com os animais não-humanos. Como abolicionistas, nossa tarefa consistirá em criar diariamente este movimento através de milhares de movimentos locais livres de contradições e repletos de receitas antiespecistas: todas 100% vegetarianas.
Referências:
[1] Francione, Gary L., “Rain without Thunder. The Ideology of the Animal Rights Movement”, Temple University Press, 1996.
[2] Williams, Eric E., Capitalism and Slavery, New York, 1966.
[3] Ver as relações das leis bem-estaristas com as demais normas jurídicas e sócio-econômicas em: Aboglio, Ana María, O liberacionismo e atual sociedade escravagista. Dizer e fazer hoje para encurtar o tempo da colheita.
[4] Entrevista a VeganFreak, disponível em:
http://podcast.veganfreak.com/audio/veganfreak-2007-02-04-76047.mp3[5] Ídem nota 1. Vale recordar a epígrafe escolhida para este livro: “Se não há luta, não há progresso. Aqueles que dizem defender a liberdade e no entanto deploram a agitação... querem chuva sem trovões nem relâmpagos.” Frederick Douglass.
© Ana María Aboglio Advogada, especializada em Direitos dos Animais.
© Tradução: Lucas Laitano Valente – © Ediciones Ánima.
Técnicas de apropriação discursiva
As empresas que experimentam em animais, os núcleos comerciais que conservam não-humanos para serem observados por um público pagante, os setores que os criam para vendê-los cozidos, e até esse horror – hoje multiplicado pela imagem televisiva – que é o negócio taurino começaram, há algum tempo, a usar o disfarce da preocupação com os animais ou com as pessoas, colando-se ao escudo do bem-estar animal, do cuidado do animal e da beneficência. A técnica tenta pulverizar – como o Alzheimer destruidor da memória – o conhecimento que permite, ao cidadão médio, distinguir entre a amargura do ser prisioneiro e a iluminação do ser livre, perceber a injustiça do inocente assassinado, entender a ética de não fazermos aos outros o que não quisermos que eles façam contra nós. Técnica desesperada, por certo, voltada a deter uma zoofilia crescente, ainda que às vezes confusa, a qual inunda de um sentimento de generosidade aquele que a cultiva. E este sentimento, como se sabe, faz muito bem.
A técnica mencionada foi denominada "coopção". Significa a adoção das premissas dos grupos de pressão inconformistas por parte dos que poderiam ser prejudicados pelo êxito desses grupos. No mesmo estilo do greenwash que diz respeito aos temas relacionados à contaminação ambiental, planejam-se campanhas publicitárias para, especificamente, suscitar a preocupação com os animais em quem os usa e os comercializa. Colocam-se jalecos brancos em coelhos, ratos, cachorros e macacos nas fotografias, e eles são agrupados em torno da cama de um doente, porque “os animais de experimentação velam por sua saúde: agradeçamos seu esforço”. Organizam-se torturas para ajudar aqueles que sofrem danos com o ganho econômico dos outros – e quem se atreverá a depreciar tanta bondade? Assinala-se que o progresso da ciência e da tecnologia permite a criação intensiva, obtendo-se mais quantidade de carne graças à administração preventiva de antibióticos de última geração – os mesmos que já se tornaram inúteis para combater as infecções que combatiam antes – e os animais vacinados, feridos e mortos desvanecem em meio à preocupação com a fome mundial que a criação de animais para comida contribui para causar.
Doações, de preferência a crianças carentes. Concursos que dão, como prêmios, visitas grátis aos cárceres zoológicos e aos espetáculos circenses. Grandes cartazes e muitos folhetos para que contemplemos animais pastando e desfrutando da liberdade, enquanto os engolimos picados. Preocupação, diante da mídia, com a correção administrativa dos papéis que autorizam a dominação, a tortura e o genocídio. Declarações a favor do crescimento econômico do comércio cinegético, que assegura não haver perigo de extinção da espécie à qual pertencem os animais a serem massacrados. Tudo para que o legal continue parecendo ético, porque já se começa a notar que, em matéria de ecologia e sobretudo de animais, justamente o que não é ético é o legal.
Estratégias e políticas ativas requerem, em todos os níveis, uma dinâmica de remodelação dos processos de apropriação da vida animal. Denunciar as dissonâncias discursivas dos círculos oficiais e dos pseudoprotetores, que perpetuam tanto a produção e o consumo da “coisa” doméstica quanto a aniquilação da “coisa selvagem”, gera uma educação coerente da sociedade. Também ajuda a apoiar mudanças no consumo, imprescindíveis para o processo de substituição de uma economia sustentada pelo dano ao animal e ao ambiente por outra, de respeito aos mesmos. Transformar a relação com os outros animais implica, necessariamente, em desfazer a linha de poder e em conceber um novo modelo de integração com a natureza no seu conjunto. Alterados os sistemas socioecológicos, a civilização atual seccionou o conjunto; ao unir as partes, não encontra a vida. Recuperar a conexão com os outros seres sencientes da Terra é a tarefa do verdadeiro defensor dos animais.
Enjaulados, torturados, sangrados, caçados, destruídos, os animais não correm o risco de ser enganados por um discurso falacioso. Correm o risco, isso sim, de serem fraudados por aqueles que, em nome da proteção animal, visam apenas calar e/ou distrair a opinião pública, para que tudo continue como está... ad infinitum.
© Ana María Aboglio Advogada, especializada em Direitos dos Animais.
© Tradução: Regina Rheda. Edição Ánima
Bem-estarismo e Direitos animais
O bem-estar animalEm nosso sistema legal – e no da maioria dos países do mundo –, os animais são classificados como COISAS, com ou sem donos, e nesse último caso, suscetíveis de serem apropriados. Como seres sencientes com essa característica de serem propriedade de outros indivíduos, sua condição é comparável à de um escravo humano sob o sistema sócio-econômico da escravidão.
Com a intenção de evitar a crueldade derivada da tirania a que os animais foram submetidos na era industrial, começaram, no século XIX, a serem promulgadas leis “bem-estaristas”, ou estatutos anti-crueldade, que diziam proibir o “sofrimento desnecessário” e promover o “tratamento humanitário”. Ainda que assumindo formas diferentes, o bem-estarismo legal, versão jurídica da teoria moral do bem-estar animal, mantém a idéia de que os animais são “inferiores”, justificando assim a sua exploração. Animais como recursos para fins humanos. A noção de “sofrimento desnecessário” varia segundo o juízo dos proprietários e os usos e costumes culturais embutidos nessas leis, e não considerando os interesses dos envolvidos. Fica a salvo de qualquer proibição a possibilidade de conferir ao animal o sofrimento que seja “necessário”, isto é, o derivado da instituição da exploração, dentro da qual os animais são apenas mercadorias com determinado valor econômico. Quando se produz um conflito de interesses com o ser humano, a equação entre entidades legais tão desiguais – pessoas versus coisas – conduz sempre à frustração dos interesses dos animais, pois o primeiro direito protegido é o da propriedade do humano sobre a coisa, o animal.
Apoiada nessas normas, a sociedade atual se nutre da dor animal.As leis, representativas desse enfoque, negam os interesses à vida, à liberdade, e permitem a tortura dos animais quando seus proprietários contrapõem, a esses interesses animais, os seus próprios – em sua maioria, de ordem pecuniária. A crueldade que se condena no cidadão comum passa a ser necessária e permitida quando enquadrada dentro de um determinado tipo de exploração institucionalizada. A construção legal é estruturalmente similar à confeccionada para regulamentar, em sua época, a escravidão nos EUA. Ainda que, de acordo com as leis penais, os escravos respondiam como se fossem pessoas, eles eram PROPRIEDADE de seus senhores. Não estavam, porém, totalmente desprotegidos: deviam receber um tratamento particular, que não incluía golpes “excessivos” ou penas “desnecessárias”. No fim das contas, era o dono que determinava a melhor maneira de tratar o seu escravo.
Além do mais, todos os que lucram com a manutenção dessa dolorosa escravidão animal concordam com os bem-estaristas: há necessidade de se sancionarem leis que “protejam” os animais, visto que não querem lhes ocasionar nenhum dano que possa alterar o valor de uso de sua propriedade. As leis bem-estaristas constituem o cimento do atroz grau de sofrimento e desprezo pela vida que os humanos conferem àqueles com quem partilham a vida sensível e, em diferentes graus, a vida racional.
O surgimento dos direitos animaisO fim da década de 70 e começo de 80 marcou o nascimento do movimento pelos direitos animais. Já não mais se trata de REGULAMENTAR a escravidão, mas, sim, de ABOLI-LA. Os animais não são considerados meios para determinados fins. Eles aspiram algo mais do que sofrer “o necessário”. Aspiram não sofrer em absoluto. E, certamente, aspiram conservar suas vidas e viver de acordo com os interesses próprios da sua espécie. Priscilla Cohn chama de "inerentistas” as pessoas – entre as quais se inclui –, que entendem que os animais possuem um valor inerente, ou seja, intrínseco, próprio. Um valor por si mesmos, e não por aquilo que os seres humanos lhes possam conferir enquanto mercadorias. Se os animais sentem, é absurda sua categorização jurídica de “coisas”. As coisas não sentem, carecem de interesses.
O filósofo australiano Peter Singer teve um extraordinário impacto sobre as limitadas aspirações do bem-estarismo. Seu livro, Libertação Animal, de 1975, expôs pela primeira vez a total dimensão dos dois maiores focos de sofrimento animal: a experimentação animal e a criação de animais para alimento. No entanto, sua exposição não se enquadra dentro da teoria dos direitos, pois a ética de Singer é a do utilitarismo, aquela que – partindo-se do ponto de vista da distinção clássica entre éticas teleológicas (ou de fins) e deontológicas (ou de dever) –, constitui a doutrina teleológica mais representativa da filosofia moral. Mais especificamente, Singer se engaja no utilitarismo de ação: o que importam são as conseqüências de uma determinada ação, e não as conseqüências de se seguir uma norma generalizada. Diferentemente de Jeremy Bentham, Singer se identifica com uma versão do utilitarismo denominada “de preferência”. Dessa forma, a capacidade de possuir preferências – além de experiências prazeirosas e dolorosas – torna necessário que não se atue contra essas preferências, exceto quando forem superadas por outras contrárias com um peso maior. Curiosamente, apesar de sua posição não lhe permitir falar de direitos – tampouco em relação aos seres humanos –, é considerado por muitos como o “pai do movimento pelos direitos animais”.
Na verdade, o introdutor da teoria dos direitos animais foi o filósofo norte-americano Tom Regan, autor de The Case for Animal Rights (de 1983, ainda sem tradução para o português) e Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais[1], entre outros livros. A postura reganiana é deontológica: a moralidade de uma ação não depende de suas conseqüências, como suposto pelo utilitarismo. Ele sustenta que, ao menos alguns animais – no mínimo todos os mamíferos e aves – possuem desejos, crenças, memórias, percepções, autoconsciência, intenção e sentido de futuro. Seu “bem-estar” não depende somente de que tenham suas necessidades básicas satisfeitas, mas também de que possam viver satisfazendo seus desejos e propósitos próprios, que irão variar de acordo com a espécie em questão. Danos e privações os afetam. A privação pode não estar ligada ao sofrimento: a mal denominada “eutanásia” de animais sãos é a maior privação, a da vida, pois todos os animais querem continuar vivendo. O ponto central da teoria de Regan é que os animais são “sujeitos de uma vida”. Como sujeitos morais, seu primeiro direito é o de não serem prejudicados, independente do benefício que isso poderia trazer a um grupo humano qualquer. A recusa do instrumentalismo – a noção de que os animais são meios para os fins de outros – leva à atribuição de um status moral aos animais, o que significa a possibilidade de que estes sejam capazes de possuir alguns direitos básicos.
O neo-bem-estarismoTanto os estudiosos do moderno movimento de defesa animal como aqueles que apóiam a exploração dos animais não-humanos concordam que a característica que define o movimento pelos direitos animais é sua recusa do instrumentalismo. Lamentavelmente, uma confusão tem surgido dentro do próprio movimento.
Muitos defensores dos direitos animais passaram a considerar a postura dos direitos como a busca da imediata abolição da exploração institucionalizada, e, ao considerá-la impossível, decidiram apoiar a teoria dos direitos como um objetivo de longo prazo, perseguindo, enquanto isso, reformas bem-estaristas. Essa postura é denominada “neo-bem-estarismo” pelo advogado e professor Gary Francione, que tem desenvolvido o tema com impressionante clareza.[2] O neo-bem-estarismo é bastante distinto do bem-estarismo tradicional, na medida em que não considera que os humanos sejam "superiores" aos animais, ou que tenham o direito de explorá-los. No entanto, o neo-bem-estarismo alega a necessidade de se adotarem objetivos e táticas bem-estaristas no curto prazo.
Os neo-bem-estaristas não vêem nenhuma inconsistência lógica em, por um lado, promover medidas que apóiem e reforcem os postulados teóricos do bem-estarismo para os animais de hoje, e, por outro, defender os direitos dos animais de amanhã. Sua concepção impregna de confusão e ambivalência o movimento pelos direitos animais. Pois, “como é possível”, se pergunta Francione, “considerar, por exemplo, a violação de um humano como um ato eticamente reprovável que deve ser penalizado legalmente, e até que isso ocorra, trabalhar por uma violação ‘mais humanitária’?”. Os objetivos do bem-estar animal, que busca evitar o “sofrimento desnecessário” e conferir aos animais um “tratamento humanitário”, permitem prejudicá-los institucionalmente. E adotar suas medidas "de proteção" reforça na sociedade a idéia de que os animais estão à serviço dos humanos. A desesperadora situação atual de milhões de animais demonstra que o movimento pelos direitos animais, adotando objetivos bem-estaristas, tem falhado em elaborar estratégias necessárias para uma mudança social. Além disso, ao se utilizar da linguagem dos “direitos” de uma maneira meramente retórica, prejudica aqueles que integram de fato esse posicionamento, tanto de forma filosófica quanto programática.
No terreno legislativo, é possível trabalhar apenas com projetos com vistas ao reconhecimento de direitos para os animais, sem apoiar normas bem-estaristas cuja incapacidade de produzir mudanças efetivas está historicamente comprovada. O objetivo é obter sucesso nos passos intermediários, que, de forma gradual, permitirão uma mudança real na condição social dos animais. A concessão de direitos não é um programa utópico. Educacionalmente, supõe desmantelar o condicionamento que o especismo tramou em centenas de formas por muitíssimos anos. Legalmente, conduz a objetivos precisos, através de leis que progressivamente tendam a outorgar aos animais verdadeiros direitos e a impedir que suas vidas dependam do arbítrio dos humanos que os possuam como propriedade, situação jurídica esta incompatível com a noção de que os animais são seres sencientes com interesses significativos do ponto de vista moral.
Notas:
[1] Regan, Tom. Jaulas Vazias: encarando o desafio dos direitos animais. Lugano Editora, Porto Alegre, 2006.
[2] Francione, Gary L. Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement. Temple University Press, Philadelphia, 1996.
©Ana María Aboglio
Advogada, Especializada em Direitos dos Animais.
© Tradução: Sérgio Greif. Edição Ánima.
Libertação
Como todos os movimentos sociais, o dos direitos animais se apóia racionalmente numa perspectiva filosófico-jurídica. Seus fundamentos abrangem também enfoques multidisciplinares cujo ponto em comum é pôr fim ao preconceito e à discriminação baseados em uma característica arbitrária. Em 1970, o psicólogo inglês Richard Ryder chamou de “especismo” a esta discriminação baseada na espécie, traçando um paralelo com o racismo e o sexismo. Em suas palavras: “Speciesism means hurting others because they are members of another species". [The Animals’ Agenda, Janeiro / Fevereiro de 1997]. Especismo significa causar dano aos outros porque eles são membros de outra espécie. Legalmente, esta barreira permite separar os animais humanos de todos os animais não-humanos. De um lado, resguarda-se até o mais trivial interesse de uma espécie. Do outro, falta proteção ao mundo animal inteiro, até para os interesses mais básicos e fundamentais. A vida, a dor e a liberdade dos não-humanos são deliberadamente ignoradas. Como se faz com a natureza em seu conjunto, tratam-se os animais feito “coisas” para o benefício da espécie humana. O século XXI está mostrando o custo real desse suposto “benefício”.Para justificar a exploração dos animais, para levar uma vida de sofrimento a bilhões deles, para destruí-los diariamente e transformá-los em um alimento desnecessário à sobrevivência da espécie humana, para tratá-los como escravos, para reduzi-los a coisas, buscam-se “direitos” que colocariam os humanos na categoria de “superiores”. Falta-lhes capacidade de comunicação, dizia Descartes. Falta-lhes pensamento abstrato, apontava Locke. Falta de racionalidade, na idéia de Aristóteles. A estes grandes filósofos faltava conhecimento sobre os animais. Todos os mamíferos têm suas próprias formas de comunicação e sua capacidade de raciocínio é suficiente para que sua espécie seja o que tem de ser. Os grandes símios aprenderam a linguagem dos surdos-mudos e, através dela, contaram como sentem e pensam. Muitos animais são mais inteligentes do que uma quantidade de humanos. A superioridade não é uma realidade científica, mas uma construção cultural.Levar os animais a sério significa deixar de considerá-los meios para nossos fins e incluí-los na esfera das considerações éticas humanas. Nas palavras de Ursula Wolf: “..são objetos da moral todos os seres que necessitam de proteção, ou seja, aqueles pelos quais é possível ter consideração, e eles o são enquanto forem vulneráveis. Ao mesmo tempo, o objeto da consideração moral seria as distintas formas de vulnerabilidade e sofrimento”.Por meio da filosofia, do direito, dos estudos de gênero, da antropologia, da etologia, da literatura e outras disciplinas, é possível fazer uma análise profunda das causas da origem e da manutenção da escravidão, e do dano aos animais. A ética biocêntrica, apoiada na capacidade dos seres sencientes que compartilham com o humano o enigma da vida, encontra suporte intelectual em todas essas disciplinas. Mas, ainda que o embasamento da libertação animal evite a referência à simpatia, as relações cotidianas com os animais estão embebidas de emoções culturais e pessoais. Dessa forma, a aplicação do pensamento abstrato coexiste com o acostumar-se à depreciação e ao desconhecimento de suas vidas. Justamente o fato de nos afastarmos do animal vivo para considerar só o produto derivado dele é uma das razões pelas quais não conseguimos medir o alcance de nossas escolhas cotidianas. Muitas vezes, enquanto não passar por uma situação de sofrimento intenso e/ou quase morrer, o humano é incapaz de se compadecer do Outro ser que sofre, seja este da espécie que for. Para quem argumentar que “não sabe se um animal sofre”, recomendamos não só leituras científicas como também uma aproximação sensível e concreta dos animais vizinhos. O sofrimento e o assassinato de milhões de animais são um dano no presente contínuo. E não há razão que possa justificá-lo.Nesta seção você encontrará um material escrito ou traduzido especialmente para este sítio por integrantes da Ánima e colaboradores. O Escriba contém escritos em estilo informal ou literário e inclui textos de narrativa. Abordagens, surgido no ano 2000 com textos básicos, é hoje um Centro de Estudos para a teoria e prática dos Direitos Animais. A seção Animais contém alguns dos trabalhos veiculados de várias formas; inclui entrevistas, publicações musicais, música e vídeos.Ánima*Bem-estarismo e Direitos animaisUtilitarismo e bem-estarismoO liberacionismo e atual sociedade escravagistaDireitos animais: O enfoque abolicionista.